O Banquete | Vamos sentar à mesa e discursar sobre a natureza humana e a natureza do amor

Logo em sua primeira cena, a diretora Daniela Thomas nos mostra o tom que sua história terá, nos sugerindo através da cena o palco ao qual irá se desenrolar a trama. Uma planta carnívora devora um inseto e essa comparação serve para animalizar até mesmo aqueles que compõem a mesa do banquete. Muitas vezes, deixamos para trás ou esquecemos esse lado animal que todos temos, afinal, é o que somos.

Sinopse:

Fim da década de 80, Brasil. Apesar de ter retornado à democracia, o país ainda vive uma época de extrema instabilidade política e incerteza geral. Em meio a este clima de desconfiança, uma jornalista descobre segredos podres sobre o presidente do país, que ameaçaram ainda mais o frágil equilíbrio da nação.

Além de diretora do longa, Daniela assina também o roteiro que demonstra uma incrível qualidade e cuidado principalmente com os diálogos, o que acaba sendo uma escolha acertada, uma vez que o ponto mais forte do longa seja seus diálogos. Toda a história se desenvolve em apenas um ambiente, mas em nenhum momento isso fica maçante, o clima de tensão é tanto que a cada novo plano fechado da direção, a gente sente mais claustrofobia. A sensação de perigo iminente não nos abandona do começo ao fim e a cena inicial se revela, mais uma vez, uma contribuição inteligente para nos levar a essa atmosfera de saber que alguma coisa ruim vai acontecer, como um prelúdio.

Presença marcante no filme, os filósofos gregos tomam seu lugar a mesa, os diálogos vão desde amor, sexualidade e filosofias de vida, mas sempre em torno dessas figuras, e talvez a escolha para tal tenha sido de caso pensado, uma vez que o nome que dá título ao longa também nomeia uma obra de Platão, que assim como a obra cinematográfica, é constituída em diálogos e discursos e estes versam sobre a natureza e as qualidades do amor (eros). O Banquete, o filme, acaba por servir de uma releitura desse banquete de Platão, talvez para nos mostrar justamente qual a natureza do amor, sob uma ótica mais animalesca, mais cheia de prazer e dor, mais cheia de jogo de poder e erotismo. A tragicomédia mescla ficção e realidade o tempo todo e isso nos cria a impressão de enxergar, nós seres humanos, naquele cenário a todo momento.

Quanto a atuação, o maior destaque, sem sombras de dúvidas, é de Drica Moraes que rouba completamente a cena, sendo essa figura geradora do caos e que em diversas situações parece chegar ao seu limite, todo seu teor psicológico é facilmente perceptível pela sua postura e posteriormente pelas expressões do seu rosto. A dor, o amor, o jogo de poder tudo junto, tudo visível, toda essa selvageria e aglomerado de sensações, que em um primeiro momento parecem contraditórias, podem nos levar a concluir ser a natureza do amor.

O que começa como um jantar de comemoração, se revela um cenário para uma noite regada a vinho caro e comidas afrodisíacas que vai fazendo as máscaras literalmente cair, revelando as hipocrisias, tudo a fim de mostrar o jogo imoral da elite brasileira. E, com essa intenção de mostrar o real e sua interpretação, temos a mescla perfeita entre ficção e representação da realidade, principalmente desse grupo específico, que podem ser descrito como intelectuais, mas que em nada se diferenciam da natureza que cerca a todos nós, seres humanos. Para isso, Daniela utiliza o espaço do ambiente, utiliza os espelhos para nos dar essa visão ao mesmo tempo mais ampla e fechada, ampla para criar a sensação de revelar as verdadeiras identidades, como quando nos olhamos no espelho e nos enxergamos cara a cara, sem outra pessoa por perto, quando nos revelamos ser quem de fato somos quando ninguém está olhando ou prestando atenção. Fechada por nos criar e proporcionar ainda mais a sensação de claustrofobia, o ambiente parece menor porque os espelhos, nesse ambiente fechado, não reflete a grandeza da sala, mas sim o enfoque do quão enclausurador é aquela mesa, em que talvez a selvageria tenha tomado todo espaço reservado. Isso, mais uma vez, deve-se a direção, pois percebemos quando os convidados chegam que a casa e, principalmente, a sala são enormes.

O contexto político, que me pareceu que seria um elemento pontual, no entanto, se revelou como algo não tão bem desenvolvido e presente, ele serve mais para datar e criar um contexto da tensão, instabilidade de ter escrito uma carta aberta à um presidente que não admitia tal nível de expressão. O cenário político não é tão explorado, o perigo iminente de ser preso acaba sendo explorado pelo roteiro para criar mais um elemento de tensão, dentre vários já existentes na obra. No entanto, há um problema nisso, com o desenrolar da trama perdemos a sensação de perigo, de que a qualquer momento a polícia pode aparecer na porta, perdemos o contato com o que poderia ser uma incrível crítica às perseguições realizadas pela polícia, pelo presidente, pelo estado.

A nível de curiosidade, a carta aberta foi publicada no jornal Folha de São Paulo em 25 de abril de 1991 do seu diretor, Otávio Frias Filho, ao então presidente da república Fernando Collor de Mello. Com o falecimento de Frias durante o período do Festival de Gramado, a obra foi retirada da competitiva a pedido do cineasta. O que, confesso, me instigou ainda mais a ir assistir a obra.

Enfim, ambientado no início dos anos 90, O Banquete traz luz a uma temática que nunca ficará velha, o amor e a selvageria, utilizando todo o clima de suspense que pode. Apesar de ser lento, não possuir grandes cenas em que há muita ação, o longa exige que prestemos atenção naquele grupo de pessoas e seus dilemas. Sem ser maçante, a obra nos remete aos gregos, com uma mistura de discurso contemporâneo para construir a natureza do amor, das relações humanas e principalmente das interações sociais, outro ponto que não tem como ser deixado de lado, somos seres bem sociais, que dependem do contexto social em que estão inseridos e para isso talvez caia como uma luva o contexto histórico e político, mas este poderia ter sido melhor aproveitado. Poderia ter tido um lugar à mesa.

Tagarelem conosco: Querem um lugar à mesa nesse banquete ou irão passar a oferta? Vocês têm interesse em obras do cinema brasileiro?

O Banquete estreia hoje, dia 13 de Setembro, nos cinemas.
Até a próxima tagarelice e lembrem-se de sentirem-se servidos!

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