As Viúvas | A complexidade das protagonistas subverte o gênero dos filmes de roubo

Com direção de Steve McQueen, mesmo diretor de 12 Anos de Escravidão, As Viúvas é ainda escrito pelo diretor em parceria com ninguém mais, ninguém menos que Gillian Flynn. Então, poderíamos esperar uma trama repleta de personagens femininas complexas? Definitivamente.

Sinopse:

Um assalto frustrado faz com que Harry Rawlins (Liam Neeson) e sua gangue sejam mortos pela polícia e o dinheiro que roubaram seja destruído pelas chamas. Isto faz com que a viúva de Harry, Veronica (Viola Davis), seja cobrada para que a quantia roubada seja devolvida. Pressionada, ela encontra um caderno de anotações de Harry que prevê em detalhes aquele que seria seu próximo golpe. Veronica então decide realizar o roubo, tendo a ajuda das demais viúvas dos mortos no assalto frustrado.

Os roteiristas nos entregam uma história repleta com personagens que carregam consigo uma boa diversidade, ou seja, elas são plurais. Cada uma delas representa uma realidade diferente, pois vivem vidas diferentes, ocupando diferentes lugares. Sendo assim, enfrentam problemas distintos que cabem no espaço contado no cinema. Por conta disso, a parte dramática desse thriller de ação se encaixa perfeitamente dentro da narrativa da história.

Verônica, Alice, Linda e Belle trazem ao longa discussões importantíssimas, por meio de suas histórias de vida, o diretor consegue tecer críticas a sociedade, como racismo, machismo, violência doméstica, prostituição, essas temáticas tomam força e apontam toda a podridão existe por baixo daquilo que não conseguimos perceber de primeira.

As protagonistas são mulheres fortes, possuem suas vulnerabilidades e falhas, como qualquer outro ser humano, mas não deixam de ser resilientes, grande exemplo disso é a evolução da Alice, que de mulher maltratada por todos, inclusive sua mãe e principalmente seu marido, um cara que a agredia e que estabelecia um relacionamento com ela. Vemos Alice em um processo de autodescoberta, no meio dessa confusão toda do plano de roubo, ela se descobre cada vez mais forte, cada vez mais capaz e percebe que não deve se rebaixar por ninguém. É uma evolução.

Isso não é apenas característica dessa personagem, mas partilhada entre elas, inclusive percebemos a inteligência, a força dessas mulheres durante esse processo. Assim, como toda mulher, elas lutam pela sobrevivência e não só por isso, mas pela sua reafirmação e principalmente por sua identidade. Uma das falas que mais gostei na trama é quando uma delas, não irei me lembrar precisamente quem, disse que elas tinham uma vantagem ninguém ia pensar que elas iam ser capazes disso. Subvertendo assim, o seu papel como mulher perante a sociedade, uma vez que desmancha a visão estereotipada que se tem sobre as mulheres e seus comportamentos. Somos capazes de desenvolver um assalto, de orquestrar um roubo, se quisermos.

Essa fala de uma das personagens ainda nos atenta a uma crítica, a uma reflexão a nós mesmos enquanto espectadores, por diversas vezes, podemos conscientemente ou não aceitar, sem protestar, essa visão da mulher dentro ou fora da sétima arte.

Há também uma subversão quanto ao papel realizado pelo homem no gênero dos filmes de assalto e de ação, eles nunca são questionados quanto às suas habilidades e capacidades, mas em As Viúvas é pontuado exatamente isso o quanto esses papeis ocupados por eles, podem facilmente ser ocupados por mulheres. #GoGirl

Um dos grandes feitos dos roteiristas para conseguir abordar bem essas questões é a seriedade, algo pouco frequente em outras obras do gênero. A história trata os acontecimentos com poucos alívios cômicos e poucas piadas, isso é extremamente importante, pois não se volta a ridicularizar a capacidade feminina para tais atividades, não a leva como um humor quando a coloca nesse cenário e usa sua inadequação como atitude desastrosa e, logo, engraçada. Pelo contrário, mostra bem mais os backgrounds e destaca o quanto elas conseguem realizar mesmo quando estão enfrentando problemas internos e externos.

A crítica a corrupção é também bem marcante haja visto um dos núcleos centrais da trama serem voltados a disputa da eleição para vereador do 18 distrito. É revelado um jogo de poder que fomenta uma quantidade absurda de crimes, recebimento de propinas, roubos e mortes. A politicagem põe as caras e a crítica é pontual aos candidatos que vão nas periferias fazer falsas promessas ao povo e depois acham uma forma de “conceder” e ainda assim gerar a manutenção da desigualdade social. No entanto, cabe espaço para criticar também o Jamal que quer alcançar o poder não para gerar mudanças para a sua comunidade, mas sim para alcançar a posição mais alta da cadeia e se beneficiar desse poder.

No meio disso tudo, temos Jatemme, interpretado por Daniel Kaluuya (Get Out!) que se personifica como uma das figuras violentas, as principais cenas viscerais acontecem sob seu controle. A presença dessa violência não é bem explícita, no sentido total da palavra, mas sim de uma maneira que permita com que nossa imaginação preencha espaço, como na cena em que o Jatemme vai com seu pessoal até a casa do Bash para dar uma surra nele quando a cena, de fato acontece, não a estamos presenciando, não a estamos vendo com nossos olhos, isso porque a câmera acompanha Jatemme assistindo o jogo e aumentando cada vez mais o volume para abafar os gemidos e gritos do Bash, isso cria uma atmosfera em que nos coloca dentro da cena cuja ação é bem mais violenta por nos permitir através da nossa imaginação compreender como é essa dor, essa cena. Sendo assim, a violência se torna subjetiva.

No entanto, há cenas em que a violência é mais explícita cuja atmosfera nos remete muito ao cliente de This Is America do Donald Glover.

Enfim, baseado em um livro homônimo da Lynda La Plante e com um elenco de peso, As Viúvas é um bom filme de ação combinado com thriller dramático que nos faz questionar várias questões pertinentes a condição feminina dentro da sociedade e a própria até mesmo como corrupta. Há certa sensibilidade em os roteiristas apresentar todas como pessoas vulneráveis, mas também resilientes, bem como humanas. O longa possui duas horas de muito desenvolvimento, mas nossa atenção é cativada com sucesso por essa diversidade de realidade de vida. As Viúvas subverte, então, um gênero predominante de personagens masculinos e inova justamente por isso, por não se utilizar de uma fórmula que tanto já cansamos de ver. The Future is Female. O Futuro é feminino. Amém a isso.

Tagarelem comigo: Preparadas para acompanhar esse grande roubo? O que acharam da crítica?

As Viúvas estreia dia 29 de Novembro, hoje, nos cinemas!
Até a próxima tagarelice e lembrem-se nós podemos tudo!

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