Acrimônia | Relacionamento abusivo: O quanto pode ser destrutivo ao psicológico de uma mulher

Acrimônia, novo longa estrelado por Taraji P. Henson, traz em seu título uma palavra incomum, não tão cotidiana, mas que expressa perfeitamente o tom do filme.

Significado de Acrimônia
substantivo feminino
Modo de agir de quem é indelicado, áspero, mal-humorado; aspereza.
[Figurado] Crítica severa e injusta.
Azedume; qualidade do que é acre, de sabor azedo, ácido.

Sinopse:

Melinda (Taraji P. Henson) sempre foi uma esposa fiel, porém, cansada de ficar ao lado de seu marido preguiçoso, Robert (Lyriq Bent), se divorcia quando ele faz com que ela perca a casa de sua família. Meses depois, Melinda descobre que seu ex-marido ficou rico e está noivo de outra mulher. Sentindo que ele deve a ela todo o tempo e dinheiro que ela investiu quando estavam juntos, ela perde o controle e vai atrás de vingança.

A direção é de Tyler Perry que também assina o roteiro, o longa é dividido por capítulos, cada um apresenta uma palavra que descreve a situação e utiliza o significado do dicionário, como feito acima.

Melinda é o que podemos chamar de narrador-personagem, ou seja, ela mesma conta a sua história, seu ponto de vista, como se sente. O voice-over é um recurso utilizado por Perry, que pode incomodar a muitos e que em alguns momentos é difícil de empregar de forma eficaz, no entanto, em Acrimônia, é uma escolha acertada, uma vez que toda a narrativa é ditada por Mel, principalmente quando a mesma está a contar tudo para a psicóloga, o que a permite adicionar comentários adicionais a acontecimentos passados, tornando tal situação mais verossímil e revelando a atual condição da protagonista.

Algo necessário de se ressaltar é que a Melinda claramente possui um transtorno psicológico que, inclusive, no começo é citado pela psicóloga ao início do longa: transtorno de personalidade limítrofe ou boderline. No entanto, apesar de nunca antes ter sido tratada, a protagonista ingressa em um relacionamento em que, em um primeiro momento, é normal e saudável, mas que com o decorrer do tempo se revela algo extremamente tóxico. Seu marido vive seu sonho às custas da mesma, não a ajudando com as despesas, o que a insere em uma rotina desgastante atrelada a um relacionamento em que falta companheirismo, comprometimento, até mesmo amor e carinho. Toda sua relação com seu marido vai agravando cada vez mais um transtorno já antes existente, lhe sugando dinheiro e lhe custando sua vida, ela é tudo o que ele precisa que ela seja, não sobra espaço para a mesma, pois todos os dias são iguais, com a rotina atolada, não resta tempo, sobra cansaço, desânimo e mal humor.

É fácil julgar a protagonista, principalmente quando estamos assistindo tudo de fora, sem nem ao menos estar inseridos naquele cenário, sem saber muitas vezes o quão difícil é se desprender de um relacionamento abusivo.

Em todos esses aspectos, a atuação de Taraji se sobressai, todo o cansaço de sua personagem se sobressai a sua postura, sua expressão, está estampado em si mesma. Claramente compreendemos o quanto ela está beirando o limite, extremamente exausta. A vemos atingir o limite ao primeiro sinal de que seu marido a estava traindo. Era a última gota que faltava.

Algo que muito me incomodou é o tanto de pessoas que se dispuseram a refletir que o filme foca apenas na visão da personagem da Taraji, surgindo o questionamento: “será que não seria tudo coisa da cabeça dela?” E seria bem válido tal questionamento se não fosse pelo fato de que por muito tempo tal questionamento não serviu para Bentinho em Dom Casmurro, o que nos leva a refletir que quando uma mulher conta sua narrativa do seu ponto de vista é questionável e achamos que o marido tem direito a mostrar seu lado, mas quando o contrário acontece, muitas vezes, se não em todas, basta a palavra do marido e já damos toda credibilidade. Isso ainda acontece hoje em dia e pode ser muito bem percebido tanto através da quantidade de casos no cotidiano, quanto na própria narrativa de um filme, como Acrimônia.

A obra nos lembra constantemente através das próprias palavras de Mel o abuso que sofreu, o esgotamento mental pelo qual passou e ainda passa, além da raiva que sente por ter perdido tudo, enquanto seu marido obteve todo o sucesso que sempre sonhou às custas de sua vida, de seu esforço. Sinceramente, não tenho capacidade de julgar, pois nem sei como seria comigo se eu passasse pelo mesmo. É algo extrapolado em tela, no entanto, não perde a força do que representa.

O filme mostra o quanto as mulheres são facilmente acusadas de loucas, por não terem mais equilíbrio após anos de abuso, e são facilmente descredibilizadas, além do tanto que a justiça é falha nesse quesito, em trazer amparo e acolhimento, em dar voz e analisar o plano geral, compreendendo todos os danos causados no psicológico das vítimas. Porque, veja bem, Melinda é uma vítima, o diretor pode ter extrapolado um pouco nas situações e talvez nos fazer questionar, no entanto, todo o sentimento que a principal sente não é em nenhum momento baseada no nada, vem da perda do controle da sua vida, da perda de seus sonhos e de uma vida que a mesma batalhou e pagou o preço – alto, diga-se de passagem.

O lado técnico de Acrimônia deixa muito a desejar, os efeitos em Chroma Key são claramente perceptíveis, pela sua baixa qualidade, em diversos momentos conseguimos perceber o cenário adicionado depois, dando um tom de falsidade para as cenas. Há, sim, algumas falhas no roteiro, que poderiam ser melhoradas, diálogos que poderiam ser aprofundados. Porém, além das atuações, podemos destacar como um acerto também a escolha do diretor ao dar voz a sua protagonista para que a mesma tomasse controle de sua própria narrativa, sua própria história. Uma pena que o roteiro pareceu muitas vezes dramatizado demais, beirando o excessivo, perdendo por tanto uma certa qualidade e destoando em alguns momentos. O que infelizmente dificulta um pouco para que os espectadores identifiquem-se com a personagem principal.

O final do longa, em um primeiro momento, parece fraco, mal executado, mas o maior problema mesmo é a falta de qualidade técnica, talvez se melhor desenvolvida sua mensagem poderia ser melhor compreendida, quando paramos para analisar compreendemos que a cena final é uma metáfora para o quanto Melinda se afundou no ódio, em um relacionamento que lhe sugou tudo – literalmente -, se afundou na dor. É bem triste e pesado se prestarmos atenção.

Enfim, foi mais uma reflexão em cima do que podemos retirar do filme do que uma crítica com base em elementos técnicos, mas isso se deve ao fato de que Acrimônia abriu um espaço importante para um diálogo necessário: relacionamento abusivo e o quanto ele esgota mentalmente muitas mulheres que, inclusive, deixem-me pontuar é uma forma de violência. Poderia ter abordado de uma forma melhor, mas não perde seu mérito por iniciar essa discussão. Até porque não faltam notícias de feminicídio por aí, não faltam casos de mulheres que sofrem com relacionamentos abusivos, abusos psicológicos. Então, precisamos conversar e quebrar alguns conceitos, a sétima arte é uma boa forma de abrir discussão, a arte toda em si, é.

Então, Acrimônia se revela um filme intenso, com muita coisa a ser digerida, com muitas falhas, mas alguns acertos. No entanto, Perry precisa ter certos cuidados para que suas personagens sejam bem representadas a fim de que não haja espaço, nem indicativos para que as mesmas caiam em estereótipos, até porque em Acrimônia escapou por bem pouco.

Tagarelem conosco: acham necessário esses tipos de reflexões no cinema? Vocês tem interesse em assistir Acrimônia?

Acrimônia estreia dia 9 nos cinemas, ou seja, hoje.
Até a próxima tagarelice e lembrem-se vocês, mulheres, merecem ir em busca dos sonhos de vocês, merecem o mundo. Não esqueçam!

One Reply to “Acrimônia | Relacionamento abusivo: O quanto pode ser destrutivo ao psicológico de uma mulher”

  1. É um filme bom e muito interessante, sinto que história é boa, mas o que realmente faz a diferença é a participação de Taraji P. Henson neste filme. É espectacular, superou as minhas expectativas, adoro os filmes de Taraji P. Henson, considero que é uma excelente atriz, a vi em Proud Mary, adorei! Já a viste? Eu recomendo, este filme é um dos bons filmes de suspense que estreou em 2018. É impossível não se deixar levar pelo ritmo da historia. É algo muito diferente ao que estávamos acostumados a ver.

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