O sol é para todos | Sob a perspectiva de uma criança, refletimos sobre o racismo

Ganhador do prêmio Pulitzer de ficção em 1961 e escolhido pelo Library Journal como o melhor romance do século XX, O sol é para todos – em inglês To Kill a Mockingbird – possui 364 páginas divididas em duas partes e cada uma delas aborda um aspecto da história. Além do Pulitzer, a obra teve uma adaptação cinematográfica ganhadora do Oscar de melhor roteiro adaptado em 1962.
Antes de sabermos qual parte aborda o que, melhor darmos uma conferida básica na sinopse para já ficar dentro do que se trata o livro:

“Um livro emblemático sobre racismo e injustiça: a história de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos dos anos 1930 e enfrenta represálias da comunidade racista. O livro é narrado pela sensível Scout, filha do advogado. Uma história atemporal sobre tolerância, perda da inocência e conceito de justiça. O sol é para todos, com seu texto forte, melodramático, sutil, cômico (The New Yorker) se tornou um clássico para todas as idades e gerações.”

Ah, antes que eu me esqueça, não preciso nem dizer o quão linda é essa capa, né? E aproveitando para evidenciar que a diagramação do livro está maravilhosa, parabéns a Editora José Olympio!


Considerado um clássico da literatura moderna, O Sol é Para Todos aborda um assunto muito importante a ser discutido: o racismo, a injustiça. A história se passa na década de 30 e é contada através da perspectiva de uma personagem, a Scout, uma menina de seis anos de idade, nossa protagonista. O livro é dividido em duas partes, na primeira, temos uma apresentação da sociedade de Maycomb, lugar onde mora Scout, seu pai – Atticus Finch – e seu irmão Jem. Além, é claro, da apresentação dos personagens, suas personalidades, como funciona as famílias e isso nos é mostrado de uma forma divertida e leve, pois percebemos tais coisas enquanto a narrativa se dá através das aventuras e brincadeiras de Jem, Scout e seu melhor amigo Dill. Enquanto lia toda essa primeira parte, me deu certa nostalgia, pois somos envolvidos por todo um clima de infância, é de certa forma gostoso de ler, porém nessa parte, os eventos são meio pacatos, as ações se dão devido as brincadeiras das crianças e pelo mundo que se passa dentro da cabeça criativa e fantasiosa deles.

Já nos primeiros capítulos podemos perceber algumas críticas sociais, mas elas são feitas de forma sutis, é claro e evidente os pontos que estão sendo criticados, mas não é explicito, pois não tem um personagem criticando algo abertamente, a situação em si as denuncia e é interessante ressaltar também que os elementos criticados são coisas cotidianas, tão dentro do nosso convívio e da sociedade que deixamos muitas vezes passar batido.

Há também críticas à algumas falhas da educação e seus métodos, e nesse meio podemos analisar também como reside a desigualdade social – em todos os âmbitos, na verdade – e algumas críticas bem de leve quanto a religião e principalmente a hipocrisia de alguns adeptos.

A segunda parte da trama é a mais intensa, como citado anteriormente, a primeira é a mais parada, mas muito importante para o desenvolvimento da história, pois traça o perfil preconceituoso e tradicionalista daquela sociedade, que vai ficando cada vez mais evidente conforme certos acontecimentos vão tomando proporções maiores. Dentro dessa segunda parte, são abordados mais profundamente as temáticas pesadas – mas pela narrativa ser de uma criança, fica mais leve de abordar essas questões, mas sem deixar de lado o quão sérias elas são -, pois é nos eventos descritos nesta parte que a segregação racial fica ainda mais evidente, tipo escancaradamente evidente, o quanto a justiça não é para todos e a injustiça social está para todo lado daquela sociedade – e não só nela como na nossa também, podemos muito bem ser uma Maycomb atual, algumas coisas mudaram desde a época em que a história se passa, mas isso não quer dizer que nossa sociedade seja menos racista ou que tenha menos injustiça jurídica e social -, toda essa temática é muito bem retratada pela autora na trama, não é a toa que ganhou o Prêmio Pulitzer.

Vocês já conhecem o R2-D2, né? Ele já apareceu por aqui!

Os personagens são bem desenvolvidos, muitos bem humanizados quando os conhecemos. Alguns são fáceis de criar laços e conexões. Uma coisa que achei muito interessante na Scout é que ela quebra alguns padrões de feminilidade da época, porém, poderia ter sido melhor abordado isso, pois teve um certo grau de machismo em alguns momentos.

As personagens crianças, principalmente Scout, Jem e Jill, são as melhores, as que mais vemos humanidade, suas reflexões são fortíssimas, seus questionamentos são simples, mas profundos. É importante o uso das crianças na história, pois através desses personagens, através dos seus olhos inocentes e aguçados que passamos a enxergar a hipocrisia e a crueldade da sociedade e das pessoas. É uma sacada bem inteligente da autora. Inclusive, tem uma cena do livro que achei espetacular, Dill sai do tribunal durante o julgamento chorando, pois sente a maldade, a injustiça, a forma com qual o acusado vinha sendo tratado com tanto ódio, então, um personagem – o Sr. Dolphus Reynalds – o vê, tenta lhe acalmar oferecendo Coca-Cola e durante sua conversa com ele diz que só crianças mesmo para chorar com tais coisas, pois os adultos perdem esse nível de sensibilidade e inocência.

Conheçam a nova amiguinha da Pinguim, hahah

“(…) Porque vocês são crianças e entendem. (…) Os sentimentos dele ainda não foram corrompidos. Quando crescer mais um pouco, não vai mais ficar mal e chorar ao ouvir certas coisas. Pode ser que ache as coisas meio erradas, digamos, mas não vai mais chorar, não quando ficar mais velho.
– Chorar por causa de que?
– Por causa do inferno pelo qual algumas pessoas fazem as outras passarem sem nem pensar. Por causa do inferno pelo qual os brancos fazem os negros passarem, sem nem sequer pararem para pensar que eles também são gente.” – Páginas 250 e 251.

É algo muito importante de se avaliar que quando crescemos perdemos a inocência que tínhamos quando criança, nos acostumamos muitas vezes com a crueldade das pessoas e de ela ter-se tornado tão banal, não nos chocamos mais dessa maneira, muitas vezes somos cruéis e não sentimos nada com isso. É uma triste realidade. É a mesma coisa com o racismo, não tomamos proporção do sofrimento que ele pode causar ou não medimos o que falamos, ou, simplesmente, assumimos o discurso de que é só uma brincadeira, quando, na verdade, não é só uma brincadeira, nossas ações, nossas falas, nossas atitudes tem impactos, sim. Vestimos o discurso de que não somos preconceituosos, racistas, mas usamos e incorporamos no nosso cotidiano todo tipo de ações e falas racistas. Não tomamos consciência do nosso privilégio, o ignoramos ou até mesmo usamos ele para sermos validar ainda mais nosso preconceito. E fazemos, muitas vezes, isso sem sentir sequer remorso. Assim, como o livro tenta nos mostrar precisamos tomar consciência do nosso próprio preconceito, do nosso racismo e nos chocar com ele, nos sentir mal e buscar ao máximo nos desconstruir dia após dia, além de perceber o impacto das nossas ações e evitar elas.

Aproveito esse assunto para falar de Atticus Finch, que é um personagem que utiliza o discurso de “somos todos iguais”, mas que em algumas das suas falas podemos perceber nuances de racismo, principalmente porque dá para sentir, de forma sutil, um ar de superioridade, como se ele fosse superior aos negros – assim, como, praticamente todos de Maycomb. Tive essa sensação ao ler talvez porque enquanto lia procurei saber sobre o próximo livro: “Vá, coloque um vigia” e pela sinopse soube que o Atticus se mostra alguém muito racista e isso fez com que eu me atentasse mais aos atos do personagem. Digo isso, porque muitas vezes o racismo está tão enraizado, que deixamos passar até em discursos mais “humanistas”, que é o caso das falas do Atticus. Pretendo ler “Vá, coloque um vigia” para poder ter uma conclusão definitiva quanto a isso.

O sol é para todos traz muitos ensinamentos, entre um deles está no quanto as crianças podem repassar as coisas sem entender, muitas vezes, o seu significado – sejam o que viram ou ouviram das pessoas ao seu redor: amigos, pais, familiares, colegas – e é importante observar tais coisas, pois é fácil que as crianças absorvam preconceitos e repassem umas as outras, algumas vezes sem intenção, por isso é muito importante explicar os termos, ensinar e corrigir as crianças. Isso é uma das coisas que podemos observar no livro, como algumas crianças acabaram repassando coisas preconceituosas que ouviram das pessoas ao seu redor.

A construção de toda a história se dá por meio de detalhes em que seus significados vão se revelando ao longo da leitura e tudo que é descrito tem um propósito que nos leva ao tema central. Isso é genial, extremamente incrível. A escrita da Harper Lee é totalmente fluida e ela escreve bem demais, pena que só tem dois livros publicados – O sol é para todos e Vá, coloque um vigia. Fiquei completamente apaixonada pela forma com que ela escreve, a pinguim queria muito ter o dom dela, haahah.

Ah, esse livro faz parte do Projeto: Rory Gilmore Book Challenge 

Enfim, a injustiça é tão marcante no livro, que mesmo sendo tão claro e evidente o quão inocente era Tom Robinson da acusação, ela se tornou forte devido a sua cor de pele, devido ao racismo daquela sociedade, daquelas pessoas. E, não podemos achar isso tão distante de nós, pois vivemos acontecimentos recentes de pessoas negras que morreram por policiais sem apresentarem o menor risco, vivemos em uma sociedade onde as pessoas destilam todo seu racismo através das redes sociais, publicamente, onde não há oportunidades iguais, onde ainda a justiça não é para todos, onde inúmeros outros casos acontecem e a gente nem fica sabendo. A importância de se ter obras que abordam a injustiça, a desigualdade e o racismo é enorme porque precisamos debater, falar sobre e nos autoanalisar.

Por ser atemporal, ter suas críticas tão bem pontuadas, pela sua importância e pela grande escrita da Harper Lee, a pinguim vai dar a seguinte notinha:

(5 de 5 pinguinzinhos)

Então, tagarelem comigo, estou aberta a qualquer conversa, troca de ideia sobre o livro, gosto bastante de tagarelar. Caso eu tenha dito algo neste post e você queira contrapor ou corrigir, sinta-se a vontade para fazer desde que com respeito. E, me digam, já leram? Qual sua opinião sobre? Quer ler? Te deixei curiosa (o)? Espero que sim. Enfim, tagarelem também!

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22 Replies to “O sol é para todos | Sob a perspectiva de uma criança, refletimos sobre o racismo”

  1. Oii, exatamente isso, a história que já é pesada acaba sendo repassada com um toque de sensibilidade incrível que só uma criança possui.

    Muito obrigada mesmo,
    espero que tenha te despertado uma vontade de ler ele.

    Beijos, até. Volte sempre!

  2. Passei a amar ele demais através da leitura. Livro sensacional, né?

    Muito obrigada,
    Vou seguir criando metas de leituras mensais. Já adicionei eles lá no skoob, muito certo que se conseguir encaixar lerei eles em setembro.

    Beijos

  3. Oii, perfeita a tua interpretação da capa <3

    Muito verdade, a história do livro não vai deixar de ser obsoleta, por mais que a gente consiga vencer o preconceito não podemos esquecer das consequências que ele teve.

    Se for ler, espero demais que a leitura te agrade e te acrescente ainda mais. Muito obrigada *-*

  4. É um livro incrível justamente por isso, por nos fazer trazer a tona a empatia. Nossa, muito obrigada, sempre tento trazer os conteúdos da melhor maneira possível e o que você disse me incentiva a ser cada vez melhor <3

    Simm, foi muito bom colocar a criança para nos narrar a história, passa uma sensibilidade maior.

    Beijos <3

  5. Eu AMO este livro!
    Também acho que ele é muito atual
    Muito bacana sua resenha.
    A meta de leitura ajuda, viu? E os três livros que vc comentou no meu blog, que quer ler, são bem bacanas tbe!
    Bjks mil

  6. Oi, tudo bem? A capa desse livro é realmente bem bonita e esse pássaro quebra um pouco a dureza que a história remete. Esse tema é atemporal, por mais que passem os anos sempre haverá preconceito, pessoas sendo menosprezadas por sua classe, cor ou cultura. É um livro incrível, pena não ter lido ainda. Aliás faz pouco tempo que conheci. Com certeza o prêmio foi merecido. Sua resenha está incrível. Beijos, Érika =^.^=

  7. Esse livro me lembra muito a premissa de sermos gentis, sabe? Ter empatia para com o próximo. Eu já havia lido alguns resenhas sobre ele, mas senti que a tua tá bem completinha, equilibrada e sincera, trazendo a tona o real sentido da história ♥ Quero muito conhecer melhor. Também não sabia sobre a narrativa de uma criança, mas acho que isso acaba fazendo com que o tema impacte ainda mais o leitor, já que é a real intenção, né? Enfim, adorei.

  8. É uma das coisas mais incríveis o quanto ele consegue ser atual mesmo tendo sido escrito tempos atrás. Muito obrigada, morro de amores por esses piguins hahah.

    Espero que goste muito de ler, AAAA muito obrigada, fico real muito feliz sou muito fã das tuas fotos e dos seus posts <3

  9. Em muitas resenhas que li falavam que os problemas do livro são bem atuais, mesmo ele se passando há vários anos atrás. Parece ser uma história um tanto reflexiva e emocionante. Você não foi a primeira pessoa que eu vejo dando nota máxima ao livro (esses pinguins são tão amorzinhos *-*). Eu já o adicionei na minha wishlist literária!

    Aaaah, não posso deixar de falar que adorei as suas fotos e a sua resenha. Você escreve muito bem! <3

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