Entrevista | Stefani P. Paludo, autora de A Missão fala sobre sua obra, ditadura e personagens femininas

Conversamos, ou melhor, tagarelamos com a Stefani, uma de nossas autoras parceiras. A Missão é sua primeira obra publicada, mas não é sua primeira obra escrita, dando uma visitada em seu perfil no Wattpad será possível conhecer algumas e até mesmo degustar os doze primeiros capítulos de A Missão. Nós da Pinguim Tagarela já resenhamos a obra, é possível ler aqui.

Não poderíamos ter trazido essa entrevista em um momento melhor, com as eleições chegando e o problema da instabilidade política em que vivemos (#ELENÃO), a Stefani em suas respostas reforça a importância da arte, da escrita na hora da conscientização. A Missão fala sobre ditadura, intolerância, homofobia, machismo e demais assuntos que são importantes de serem pautados. É de extrema importância ler a história e fazer conexões com nossa realidade, pois assim como apontado pela autora está presente ao longo de toda a narrativa. Espero que a obra sirva para gerar reflexões a respeito da política, principalmente do cuidado em escolher um (a) candidato (a), a fim de poder reconhecer uma figura ditadora, mas também para nos fazer olhar para as intolerâncias com outros olhos, com olhos mais humanos para aqueles que sofrem com ela.

Sobre a autora, Stefani é gaúcha de Passo Fundo e estudante de arquitetura. Para conhecer mais sobre a escritora, sua obra e assuntos interessantes, leia a entrevista a seguir.

Pinguim Tagarela – Para iniciar, conte-nos um pouco sobre o que a escrita representa para você.


Stefani: A escrita é uma parte bem importante da minha vida, é o que gosto de fazer de verdade, é o que me empolga e também o que me faz ficar bem. Através dela me divirto, crio mundos, coloco pra fora o que sinto e me expresso. Cada texto que escrevo contém um pedacinho de mim. É praticamente os meus pensamentos expressos em palavras, e quem lê, de uma forma ou de outra, acaba conhecendo o meu eu mais íntimo. Sem contar que sempre considerei que a escrita, a arte e a cultura de uma forma geral são as únicas coisas que permanecem de um povo, de um país ou de alguém. Então, essa é a minha maneira de me tornar eterna.

PT: De onde surgiu a ideia para escrever A Missão? É sua primeira obra publicada?


Stefani: Sim, é a minha primeira obra publicada fisicamente e como ela surgiu é algo bem complicado. Inicialmente quando quis começar a escrever ela foi porque eu queria ler uma história que se passasse no Brasil e dentro o governo, algo com um grupo secreto lá em Brasília que trabalhasse ajudando o presidente, os senadores e os deputados, mas ao mesmo tempo estivesse do lado oposto, armando uma forma de tirar todos eles do poder e melhorar a forma como o país era governado. Procurei por uma história assim e não encontrei. Minha solução então, foi escrever a história que gostaria de ler. Mas obviamente, quando comecei a pensar em como ela seria, mudei muitas coisas e fui transformando o enredo pouco a pouco.

Inicialmente, também, era para ser algo ainda mais pro lado da ficção científica. Algo que começasse ao estilo de The 100, com uma civilização vivendo fora do planeta Terra e que ao longo da história voltasse pra cá. Mas pesquisando descobri que já havia a série e o livro The 100 que abordavam tudo dessa forma e então preferi mudar minha ideia.

No final, a primeira versão da história (foram 3 ao todo) era um pouco diferente da atual. Nela a Liss era a única narradora e iniciava em seu aniversário de 18 anos, onde era designada a uma nova função dentro da sociedade (o que acontecia com todos os jovens ao completar essa idade). A função dela era ser soldado e durante a história eu mostrava todo o seu treinamento, tendo o Júlio apenas como professor e como quem escrevia os “Diários”. E só da metade da história em diante, ela se formava e virava guarda pessoal de Margareth e começava a conhecer sobre o grupo secreto que Júlio e Thomas lideravam. (Nessa versão o Andrew nem existia!)

Mas aos poucos, fui mudando as coisas, adaptando, evoluindo e amadurecendo a ideia e a minha escrita até chegar à história que temos hoje.

PT: Muitos dos personagens principais são militares, né? O que te levou a utilizar essas figuras? Por que eles?

Stefani: Como eu disse na resposta anterior, eu queria pessoas que estivessem diretamente ligadas aos governantes e que trabalhassem com eles, podendo traí-los e com isso mudar toda a estrutura de uma país. Inicialmente até pensei em algo tipo um assessor, mas como na primeira versão da história havia um treinamento era melhor que fosse uma profissão mais complicada e que exigisse melhor preparo. Sem contar que assim eu daria um “plus” a mais na história porque conseguiria colocar cenas de ação, com lutas, tiro, porrada e bomba (que todos adoramos!).

Ou seja, não tem nada a ver com eu apoiar ditadura militar ou algo do tipo. Muito pelo contrário! Inclusive, morro de medo dos leitores confundirem e interpretarem errado. Tanto que fiz muita questão de deixar claro durante a história que ninguém pretendia implantar uma ditadura e sim uma democracia. E acho importante frisar isso aqui também.

PT: Quanto tempo levou para a história ficar pronta?


Stefani: Se contar as três versões que a história teve, foram quase 3 anos. Um ano para cada uma, mais ou menos. Mas a última versão demorou cerca de três meses, e a escrita das outras também não foi mais do que isso. O maior tempo foi entre uma versão e outra.

PT: Temos pouco espaço para escritoras no nosso cenário nacional, então como foi todo o processo? Enfrentou mais dificuldades? Como é ser mulher no mundo literário?


Stefani: Sabe que eu não vejo muitos problemas relacionados a isso e nem preconceito comigo por eu ser mulher? Várias pessoas já me perguntaram se eu passei por preconceito ou algo assim e pra mim sempre foi de boa. Se passei por algum, nunca notei.

Mas tenho ciência que é complicado ser mulher e escrever, principalmente um gênero como o que escrevo que é dominado por homens. E sei também que muitas autoras preferem não colocar seu primeiro nome como autora e deixam apenas o sobrenome para isso não influenciar o leitor (J. K. Rowling tá aí pra provar). Mas eu coloco o meu sim! Assino como Stéfani sem medo. Precisamos mudar isso e pra começar precisamos nos impor, provar que somos tão capazes quanto os homens.

PT: Sobre teu processo criativo, tem algo da história que você mudaria?


Stefani: Tem muita coisa que eu mudaria! A sorte de A Missão é que ela já foi publicada, senão era bem capaz de eu fazer uma quarta versão. Hahaha!

Entre as principais mudanças estariam incluir romance ao longo da trama (porque essa versão não tem nada disso) e diluir as críticas sociais, colocando elas aos poucos e de forma mais suave, não tão escancaradas. Talvez também tirar o “Diário” e deixar os primeiros capítulos mais emocionantes, com mais ação, surpresas e menos política e conversas sobre o plano.

PT: Sabemos que tu te inspirou numa revolução, pode-se dizer que tu pesquisou, foi atrás de fontes históricas?
Stefani: Sim, me baseei principalmente na Revolução Francesa. E acontece que quando escrevia essa parte da história eu ainda estava no último ano da escola e nas aulas de história estava estudando justamente sobre essa revolução. E eu amava as aulas de história! Principalmente pela forma como a professora explicava. Então, chegava em casa com a mente borbulhando de ideias e as aplicava em A Missão.

Porém, mesmo antes dessas aulas eu já conhecia bastante sobre a Revolução Francesa e sempre foi um tema que me encantou. E não pensei duas vezes em incluí-lo na história. E mesmo com as aulas, tive que ir pra internet pesquisar, diversas vezes. Até pra relembrar e ter mais ideias.

PT: Qual personagem tu mais gostou de fazer? Qual menos gostou?

Stefani: Meu xodozinho sempre foi o Júlio e nunca escondi isso! Tanto que não é à toa que ele sofre tanto na história. Ele é um personagem humano, com defeitos e qualidades, tendo que encarar uma de agente duplo, agradar Margareth, liderar A Missão e ainda enfrentar as desconfianças de Liss, isso não é pra qualquer um. Sem contar que apesar de tudo suas qualidades são maravilhosas, mas como eu disse sou suspeita pra falar já que ele sempre foi meu personagem preferido.

E o que menos gostei acredito que tenha sido o Thomas. Ele sim é um cara chato, nojento, preconceituoso e sem carisma nenhum. A própria Margareth foi muito melhor de fazer do que ele, já que escrever sobre as suas maldades era até divertido.

PT: Para que possamos te conhecer melhor, indique livros que você gosta. Quais são os seus preferidos?

Stefani: Minha série preferida é Academia de Vampiros da Richelle Mead e Bloodlines também da Richelle Mead que é um spin-off de Academia e Vampiros. Mas não se deixem levar pelo nome, as histórias são maravilhosas! Cheias de personagens carismáticos, humanos e reviravoltas surpreendentes! Inclusive, a protagonista (Rose) e o seu “parromântico” meio que inspiraram a criação de Liss e Júlio, sendo tanto que eu imagino a Liss como a Rose do filme. E também um dos personagens de Academia que é o protagonista de Bloodlines tem o jeito e o nome (Adrian) bem parecido com o Andrew. E não se assustem, são 12 livros ao todo (contando o spin-off) mas são 12 maravilhosos livros!

Fora isso, de literatura nacional sou apaixonada pela trilogia O Tempo e o Vento do Érico Veríssimo, que conta em 7 livros a história da família Terra-Cambará, a história do Rio Grande do Sul, do Brasil e do mundo, desde pouco depois do Tratado de Madrid, até o governo do Getúlio Vargas.

Também, amo O Conto da Aia de Margaret Atwood, Jogos Vorazes da Suzanne Collins, O Pequeno Príncipe, Sherlock Holmes, entre outros.

PT: Tem planos para novas publicações? Você está trabalhando em algo?


Stefani: Ter a gente sempre tem, mas se vai rolar eu já não sei. Por hora, tô tão corrida com faculdade e estágio que não tenho tido tempo pra escrever. Mas, ainda assim, sigo postando uma história no Wattpad (outra distopia como A Missão, mas com uma pegada

diferente, mas feminista, com personagens femininos ainda mais únicos e fortes e temas como igualdade de gênero, questões LGBTQ+, meritocracia e diversas críticas sociais).

E também, estou louca para que chegue as férias de julho e eu possa voltar a escrever. Tenho um dos meus romances de época que estava reescrevendo e está pela metade, tenho uma ideia para uma história Young-adult e também atualmente tenho tido muita vontade de reviver Júlio, Liss, Andrew e os outros, em uma possível continuação de A Missão.

PT: Algo interessante de escrever é ver o quanto as pessoas se envolvem com a história, alguém que já leu sua história, veio comentar com você sobre?


Stefani: Muita gente fez isso! Quando a história estava no Wattpad esse feedback era constante e eu adorava recebê-lo. Inclusive, aos meus amigos e conhecidos que liam, eu perguntava o que tinham achado, insistindo principalmente para que me dissessem o que poderia melhorar.

Atualmente tenho o feedback dos parceiros blogueiros e estou muito ansiosa para que os novos leitores leiam o físico e venham me dizer o que acharam.

PT: Temos, em A Missão personagens femininas ocupando dois lados opostos, então conta para a gente, tu considera importante a representação de personagens femininas no mundo literário?

Stefani: Demais! Precisamos ter protagonistas femininas, sim! Precisamos ter mulheres nas histórias não só para ter um envolvimento amoroso, isso não é tudo que podemos fazer. Também podemos ser as engrenagens que fazem a história girar, como no caso de A Missão. Afinal, somos importantes, somos capazes, somos humanas, podemos ser do bem, do mal e podemos fazer qualquer coisa.

PT: Acredito ser uma dúvida que todos temos depois de terminar a leitura, então conta para a gente, é possível A Missão ter uma continuação? O desfecho de Júlio pode indicar isso?


Stefani: Tudo é possível e eu nunca descartei essa possibilidade. Tanto que deixei um final que possibilitasse ambas as coisas: uma conclusão e um livro único, ou uma continuação e mais livros.

Quando acabei de escrever a história, minha vontade era parar ali e mesmo com os leitores insistindo para ter continuação eu não queria fazer e não me sentia preparada para tal coisa.

Atualmente a vontade de escrever está voltando a surgir e acredito que agora eu já estou madura o suficiente para poder escrever a obra do jeito que eu quero, abrangendo muito mais coisas e com muito mais complexidade tanto no enredo (envolvendo como se governa um país) quanto nos personagens.

PT: Que aspecto da história tu citaria como mais importante? Temos várias aproximações com a realidade política do Brasil, de que forma tu acha que a tua história pode ajudar as pessoas a se conscientizar disso?


Stefani: A questão do não se importar com o governo e permanecer neutro, à margem das decisões, apenas as acatando e preferindo seguir a vida com consumo desenfreado e com o trabalho árduo são as principais semelhanças entre o povo brasileiro e o de Tazur, ao meu ver. E esse é um dos principais pontos que quis mostrar na história. Além desses, acredito que a miséria versus a riqueza também remete à condição do nosso país e que quando o brasileiro ler A Missão percebe isso imediatamente, reflita, pense e decida mudar ou ao menos se torne consciente de tudo isso e ciente de como o país está e do poder que ele tem pra mudar isso.

PT: Margareth é o que podemos chamar de vilã, não é mesmo? O que você pode nos contar sobre o desenvolvimento dela? Te inspirou em alguém?

Stefani: Margareth foi surgindo aos poucos, ganhando seu espaço também devagar e levando o posto de vilã conforme a necessidade da história. Não me inspirei em ninguém para criar ela, na verdade, nem me lembro como a ideia dela surgiu, mas algo bem louco aconteceu há poucos meses: conheci uma mulher muito semelhante à ela. Não só na personalidade, como também no físico. Ainda bem que a história já tinha sido escrita, senão era bem capaz de dizerem que me inspirei nessa pessoa. Inclusive, acho que é essa semelhança entre as duas que tem me dado vontade de escrever uma continuação.

PT: Tem curiosidades a respeito da história?


Stefani: Como você mesmo já disse a revolução foi inspirada na Revolução Francesa e em outras revoluções como a Russa e a Cubana. O plano de ação do dia da invasão e da tomada da Capital foi inspirado no golpe ocorrido na Turquia em julho de 2016, que ocorreu exatamente quando eu estava escrevendo a história.

O Andrew não existia na primeira versão e surgiu inicialmente em uma continuação da primeira versão da história, sendo uma contribuição da minha irmã. Ela que me ajudou a criar o personagem, e no início até que eu entendesse a personalidade dela, criávamos conversas e gravamos, para que depois eu pudesse transcrevê-las no Word.

O Júlio possui o nome de dois imperadores de Roma, Júlio César e Marco Antônio (Antony, o sobrenome dele) e por isso nasceu para ser importante para seu país.

PT: Pretende fazer um prelúdio para A Missão ou um conto, contando sobre a doença? Ou já existe?

Stefani: Na verdade, o prólogo que você leu, onde conta sobre a doença e como ela surgiu, não era o prólogo inicial da história. Ele foi escrito como um conto sobre A Missão e escrito posteriormente ao término dela. Tanto que se você for no meu perfil do Wattpad, encontrará esse prólogo como o conto: Tazur – A Fundação. E a ideia quando escrevi nem era usar como prólogo, mas foi um amigo que me sugeriu isso e acabei gostando da ideia.

PT: Temos uma cena do livro em que um casal de gays apanha, foi uma forma de tentar mostrar o quanto a homofobia é algo grave e muito sério?


Stefani: Sim, foi a forma que encontrei para abordar a homofobia também, além de mostrar como o governo é tirano e não aceita as diferenças.

PT: O que tu aprendeu escrevendo A missão?

Stefani: Foi muita coisa! Desde a como dar um soco, fazer fogueira com pedras e pular de grandes alturas sem se machucar à mais sobre a história do mundo e de alguns países, suas revoluções, um pouco de sociologia, filosofia, geografia e até ciências!

PT: Você tem como um dos líderes, um jornalista, tu acredita no poder midiático?


Stefani: Sim! Foi justamente por isso que Andrew é jornalista e um dos líderes de A Missão. Ao meu ver, a mídia tem muito poder e influência o povo de uma forma que ele nem percebe. E isso é mostrado na história de forma bem clara. Lembra da parte que Margareth mandou divulgar propagandas sobre o governo, sobre um novo produto, e lembra o slogan de A Missão sendo passado nos canais de TV, os textos do Andrew espalhados pelo país?

Tá aí, mas uma das grandes semelhanças entre Tazur e Brasil: a manipulação midiática. Atualmente, tem estado cada vez mais em evidência o quanto, principalmente as grandes emissoras de televisão, influenciam e manipulam a opinião da população de acordo com seus interesses. E eu quis sim mostrar e criticar isso.

PT: Por fim, o que você diria para as mulheres que querem publicar suas histórias. O que elas vão enfrentar pela frente e se vale a pena persistir.


Stefani: Não desistam! Há espaço para todo mundo e precisamos nos impor e mostrar que somos tão boas quanto os homens. Mas não vou iludir vocês, o processo é complicado, exige muita paciência e persistência, mas a gente consegue. E sempre é bom nos unirmos e apoiarmos umas às outras. Afinal, juntas somos mais fortes.

PT: Você vai ser nossa primeira entrevistada, espero que goste e muito obrigada pela oportunidade.


Stefani: Eu que agradeço! Amei responder a entrevista e estou muito honrada em ser a primeira entrevistada desse blog lindo. Espero que tenha gostado tanto quanto eu. E qualquer dúvida ou curiosidade estou aqui disposta a saná-la. Beijos e sucesso!

Você pode comprar A Missão em versão física ou digital. Lembrando que comprando através do nosso link vocês ajudam a tagarelice a continuar circulando. Sem contar que uma obra nacional escrita por mulher precisa ser valorizada.

Tagarelem conosco: O que acharam da entrevista? Tem alguém que vocês querem que a gente entreviste? Vão embarcar n’A Missão?

Até a próxima tagarelice e lembrem-se a arte é importante e sempre temos o que aprender com ela.

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